Opinião: Evasão escolar, uma questão para além dos muros da escola

 


Angela Biscouto*

Alimentação, vestuário, material didático e transporte. Itens básicos como esses são a ponta do iceberg das razões que podem ser decisivas para evitar que uma criança abandone a escola. No Brasil, a evasão escolar acontece mais vezes do que seria aceitável. Um dia, os livros e cadernos se fecham e, com eles, fecham-se também as portas de vários futuros possíveis. Em 2020, enquanto a pandemia galopava e empilhava prejuízos para a saúde, a economia e a dignidade humana, quatro milhões de estudantes brasileiros abandonaram escolas e universidades, de acordo com pesquisa C6 Bank/Datafolha.

Embora esse problema tenha crescido significativamente, a evasão escolar é uma realidade com a qual a Educação brasileira lida há muito tempo. Diante das profundas desigualdades que compõem nossa sociedade, é preciso olhar para essa questão de um ponto de vista mais amplo. Ainda que as políticas públicas educacionais tenham avançado rumo a uma maior equidade no acesso à escola, as políticas de permanência seguem frágeis. A escola não nega e nunca se eximiu dessa realidade, mas é preciso considerar o papel de toda a sociedade no enfrentamento das inúmeras mazelas envolvidas nesse cenário, na pandemia ou fora dela.

O Brasil precisa encarar que, ainda hoje, na segunda década do século XXI, alunos abandonam a escola porque recai sobre eles a responsabilidade de contribuir ou até mesmo garantir a sobrevivência da família. Essa é a fria realidade e as perspectivas para o futuro próximo apontam para um horizonte de aumento da pobreza, conforme sinalizado por estudos.

Cada livro que se fecha e cada aluno que evade encerram um universo de vivências que só a escola pode proporcionar àquele estudante. E, antes de questionar o que a instituição tem feito para evitar que isso aconteça, devemos nos perguntar de que maneira as esferas da sociedade – sejam políticas, econômicas, sociais, de saúde, dentre outras -, têm contribuído para o desenho desse triste cenário. O abandono da Educação é sintoma de uma sociedade adoecida, sintoma de que as coisas não vão bem. Se um menino sai da escola para trabalhar, essa história fala sobre uma condição de miséria. Se ele sai porque sofre violências, essas não são fatos isolados, mas um reflexo do que acontece nos ambientes em que ele vive. O que acontece dentro da escola e desencadeia a evasão dessas crianças é sintoma do que está acontecendo nos demais espaços.

A escola precisa de apoio e estrutura para que possa garantir a permanência com qualidade desses alunos. O trabalho realizado dentro dela disputa com todas as preocupações com as necessidades básicas para a sobrevivência de alunos e familiares. Sem acesso a alimentação, segurança, moradia, e saneamento básico é simplista demais afirmar que um aluno não permanece na escola estritamente por questões acadêmicas. A permanência com qualidade permeia ainda todas as questões de ordem pedagógica dentro do ambiente escolar. Materiais didáticos de qualidade, formação continuada de professores, currículos escolares ajustados à demanda contemporânea e clima escolar são alguns dos pontos em que cabem ação e reflexão da comunidade escolar.

De quem é o prejuízo quando um aluno abandona a escola? Em primeiro lugar, certamente dele mesmo, visto que perde acesso a um de seus direitos mais fundamentais. Mas a própria sociedade também é afetada porque cada livro que se fecha é uma possibilidade a menos de reflexão sobre as questões de ordem social, filosófica e cultural do país. Quando uma nação não consegue dar acesso ao mínimo que suas crianças poderiam ter, há uma fragilidade na construção de um projeto de país. Não se trata apenas do saber acadêmico, mas da troca entre pares, da convivência com pessoas que compartilham o mesmo espaço- ainda que com vivências diversas - e que também promovem a aprendizagem, no dia a dia, de saberes e competências essenciais.

A escola é espaço de formação acadêmica, mas, sobretudo, humana. Olhar para a evasão não é olhar para um problema da escola, mas para uma questão que transborda e permeia toda a sociedade. A todos nós, ficam as questões: Como é possível promover mudança? Como minhas escolhas individuais e coletivas são parceiras da Educação? Se o problema da evasão escolar transborda os muros das escolas e recai sobre todos nós, qual é o meu papel diante desse cenário?

*Angela Biscouto é consultora pedagógica do Sistema de Ensino Aprende Brasil.


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